Que ideia de cidade para Bragança?
   
Artigo de opinião
Publicado em 22/09/1998

(Original em PDF)

Decorrem, em fase final, dois processos de concurso, promovidos pela Câmara Municipal de Bragança, com vista à selecção de equipas para elaboração dos projectos de "Prolongamento da Av. Sá Carneiro" e do "Corredor Verde do Fervença". Parecendo-me, contudo, que não ficarão devidamente assegurados os princípios orientadores do correcto desenvolvimento urbano desta cidade, tendo particularmente em conta o programa previsto no primeiro deles, que visa uma zona fulcral do centro da cidade, passaria a fazer aqui alguns comentários.
Configuram-se desde logo alguns objectivos, consignados no Caderno de Encargos, distribuído aos concorrentes, que me parece serem extremamente limitativos da criatividade que os mesmos poderiam imprimir aos seus estudos como sejam, por exemplo:
- Define-se como condição imperativa a ligação da Av. Sá Carneiro à nova Av. da Braguinha. Tal condição leva a pensar que se pretende limitar o estudo à criação de um eixo viário sem se encararem outras formas de estruturação do tecido urbano mais consentâneas com os critérios gerais do correcto ordenamento urbanístico de que a cidade tanto carece.
- Apresenta-se um local para a possível implantação dos futuros Paços do Concelho, no local da "Moagem Mariano", com a justificação de se tratar de um local nobre. Parece-me, que qualquer espaço nesta zona do centro é potencialmente nobre, desde que efectuada uma integração urbanística condigna do mesmo, não se mostrando, portanto, relevante a prioridade para esse local.
- Define-se a necessidade de um parque de estacionamento subterrâneo de 400 lugares. Parece-me que não existem estudos que sustentem a necessidade e dimensão desta infraestrutura, pelo que vejo como particularmente discutíveis quer a sua localização quer este modo como se procura satisfazer a necessidade de parqueamento automóvel, sendo esta uma questão que deveria ser equacionada com a máxima seriedade, eventualmente no âmbito de um estudo mais global da acessibilidade ao centro urbano.
- Parece-me que a afectação do espaço disponível da antiga Estação da CP para Parque de Lazer é um objectivo, talvez pouco ambicioso em termos urbanísticos e demasiado condicionador para quem possuir verdadeiras ideias e soluções para a expansão do núcleo central da cidade. Seria preferível deixar ao critério dos concorrentes a finalidade da sua utilização.
A criatividade que atrás referi deveria ser, naturalmente, decorrente da reflexão dos opositores ao concurso sobre as questões globais de ordenamento urbanístico da cidade, onde se equacionariam, a um nível prévio, os diversos problemas de circulação e acessibilidade urbanas, de harmonia do tecido urbano, da funcionalidade e afectação dos espaços a tratar, dos equipamentos e actividades propostas, o que não poderá ser feito já que não existe "margem de manobra" para tal, ficando, assim, muito reduzida a possibilidade de abordagem crítica do programa.
É certo que se trata de condicionantes que reflectem as ideias base já divulgadas e propostas no programa eleitoral deste executivo, mas que me parece deverem ser mais discutidas, através de uma reflexão alargada das questões do desenvolvimento urbanístico, preferivelmente acompanhada de debate público, pois não estarão a ser devidamente ponderados os efeitos negativos que essas opções acarretam no que toca, nomeadamente, à qualidade urbana desta parte da cidade. Com efeito, existem, desde logo, alguns aspectos negativos que em oportunidade futura referirei.
Não se entende ainda que, com este processo a decorrer, se tivessem assumindo condicionantes como são os casos do acordo da Câmara com a empresa dos estabelecimentos "Lidl" para a execução de obras na rua que liga a Rua da Estação à Estrada de Vale d'Álvaro e da intenção de instalação de semáforos na Av. João da Cruz, dado serem estas artérias integrantes da área objecto do concurso, o que terá retirado, quanto a mim, alguma credibilidade ao processo.
Diria ainda que, viadutos, túneis e sistemas de semaforização, implantados sem que se vise uma estratégia de circulação consistente são, à partida, dispensáveis nas zonas centrais de qualquer núcleo urbano, resultando daí os mais diversos impactos negativos, que hoje em dia se procuram evitar por todos os meios, havendo outras formas mais duradouras e sustentáveis para a resolução dos problemas da acessibilidade dos cidadãos ao centro das cidades com a consequente valorização desses mesmos centros.
No caso particular da cidade de Bragança teria algumas propostas concretas para apresentar, o que conto fazer oportunamente.
Prevejo, assim, que as soluções apresentadas neste concurso não serão mais do que o reflexo das estratégias implícitas no programa a que os concorrentes tiveram que se vincular, resultando num mero exercício do estilo "académico", com soluções essencialmente de carácter técnico e de distribuição dos diversos
edifícios no espaço em estudo, segundo critérios mais ou menos subjectivos, ficando por efectuar a adequada abordagem global e estruturante do problema, no sentido do correcto enquadramento urbanístico dessa zona no tecido urbano da cidade.

 
In jornal "A Voz do Nordeste" de 22 de setembro de 1998
     
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