A circulação na cidade de Bragança
A teimosia dos semáforos
   
Artigo de opinião
Publicado em 08/06/1999

(Original em PDF)

Há quase dois anos iniciei aqui uma série de artigos onde emiti opinião sobre algumas intervenções que o então executivo camarário pretendia levar a efeito, no sentido da melhoria das condições de circulação nesta cidade. Aí deixei algumas sugestões e soluções que me pareciam oportunas, nomeadamente uma alternativa à semaforização da Av João da Cruz, que já então se perspectivava.
Já com o presente executivo, há pouco mais de um ano, procurei fazer valer os meus pontos de vista, tendo-me disposto a participar nas reuniões que viessem a ser convocadas para o efeito. Nas duas primeiras dessas reuniões foram tratadas questões de menor importância e na última, na qual não me foi possível participar, viria a ser tratada a solução para a Av. João da Cruz. No entanto, na véspera desta reunião, no dia 4/5/98 (dia que eu tinha como certo para a realizacão da mesma), deixei ao senhor vereador Freixo uma planta, definindo uma possível rotunda de ensaio, a executar em frente aos Correios. Procurei ainda fazer-lhe entender as vantagens que traria o teste de uma solução do tipo rotunda tendo em conta, sobretudo, a facilidade com que se poderia adaptar o local sem se recorrer a obras complicadas. Eu até já tinha estudado suficientemente a solucão ao nível de análises de tráfego, cujas conclusões me davam uma boa probabilidade de vir a satisfazer o escoamento dos fluxos de tráfego de ponta mas que, dada a incerteza de alguns elementos que influenciam análises deste tipo, sempre seria mais racional que se efectuasse previamente o seu ensaio. O exemplo do seu funcionamento serviria ainda para se tirarem conclusões definitivas quanto à forma de actuar nos restantes cruzamentos da avenida.
Esta minha proposta não veio a acolher concordância da parte da Câmara, tendo então sido decidida a semaforização de toda a Avenida. Deduzo daí que terá prevalecido a excessiva confiança nos sistemas semaforizados e até o incentivo financeiro da administração central que, a custo relativamente reduzido para o erário municipal, poderia possibilitar a implantação de sistemas reguladores aparentemente mais eficazes e, diria até, mais "vistosos", já que me parece que vem sendo uma preocupação da Câmara a da opção sistemática por soluções que "dão nas vistas" ou pretensamente reveladoras de "modernidade", mas de funcionalidade discutível.
Não só se está a revelar errada esta opção, pois em nada melhorou as condições de circulação tendo-se agravado os tempos de espera, mas também outras como a semaforização do entroncamento em frente às "tintas CIN", na Av. Sá Carneiro. Neste caso vieram a ser agravados, desnecessariamente, os conflitos no cruzamento seguinte, em frente aos Serviças Sociais do IPB. Teria sido preferível, para ali, o estudo de implantação de uma rotunda.
Sobre as vantagens da utilização de rotundas em meio urbano já escrevi o suficiente, pelo que remeto para os artigos em questão, sendo para mim incompreensível a aparente aversão da Câmara à implantação de rotundas compactas (de pequeno diâmetro) que funcionem como tais (com prioridade a quem nelas circula). Por exemplo, no cruzamento da Alameda de Sta Apolónia com as entradas para o Bairro Artur Mirandela e Escola de Tecnologia, foi acordada a realização de uma rotunda, julgo que até aprovada a sua construção em reunião de Câmara, mas até ao momento nada se concretizou. Vem-se até optando por introduzir lombas "quebra-molas" e semáforos reguladores de velocidade, quando com as rotundas bem implantadas poderiam ser obtidos efeitos semelhantes, com menos incómodos para os utilizadores.
Devo referir ainda que qualquer intervenção no sentido de gestão do tráfego nos meios urbanos deve sempre ter em conta as múltiplas condicionantes locais, nomeadamente urbanísticas, como aliás já havia referido em artigos anteriores, assim como objectivos muito precisos quanto à melhoria das condições de segurança, da gestão dos espaços públicos, da diminuição dos tempos gastos nas deslocações, ou de estratégias mais amplas de circulação como, por exemplo, a prioridade a certos modos de transporte, de política de estacionamento, de dissuasão ou incentivo de certos itinerários e controle de acessos.
Tenho reparado que se vêm justificando as intervenções de regulação luminosa com base na argumentação muito subjectiva de "ordenamento do trânsito", o que não poderá, portanto, constituir em si mesmo um objectivo, mas antes o reflexo das necessidades observáveis que atrás referi. Não estamos em tempo de se tomarem decisões avulso, sem o estudo mínimo das soluções ou da necessidade delas, levando ao esbanjamento de recursos ou a situações de malfuncionamento. No caso das soluções técnicas adoptadas para a Avenida João da Cruz, baseadas na semaforização de cruzamentos do tipo rotunda de trânsito giratório, viriam inevitavelmente a sair seriamente penalizadas em termos de funcionamento, dada a necessidade de lhes conferir maiores tempos de segurança na programação das passagens, em virtude da grande extensão a percorrer pelos veículos no interior dos cruzamentos.
Julgo que é, em grande parte, devido a esse facto que se verificam grandes filas de espera que anteriormente não se verificavam, que têm gerado o natural descontentamento nos cidadãos. É convicção minha que a Câmara não actuou da forma mais correcta em todo este processo. Manifestei, aliás, pessoalmente junto do Presidente da Câmara, em Janeiro deste ano, a minha total discordância pela implantação dos sistemas que então se iniciava.
No fundo, sempre persistiu em mim a dúvida sobre a necessidade de se fazerem intervenções de fundo na Av. João da Cruz para a gestão do tráfego. Fiz até publicar um artigo em 14/10/97, onde apelei a uma solução em que, com alguma sinalização de trânsito estabelecendo certas prioridades, se poderia melhorar a fluidez da circulação na zona entre os Correios e o Tribunal, facilitando e até reduzindo a intervenção dos agentes da PSP. Faço ainda notar que não é pelo simples facto de se recorrer em certos locais aos agentes reguladorés do trânsito, principalmente quando isso ocorre em períodos de ponta curtos, que se vão substituir por sistemas mais complexos e onerosos, como são os semáforos, sendo que uma das funções dos mesmos agentes é, naturalmente, essa, sempre que se revele globalmente mais vantajoso. Parece-me que se gerou a ideia que já não se usa essa forma de regulação do tráfego, podendo até parecer uma forma indiciadora de atraso, o que não é verdade. Uma solução duradoura passaria antes por um reordenamento urbanístico desta zona do centro, que contemplasse vias de circulação altemativas.
Se a Câmara está efectivamente interessada em melhorar as condições de circulação na Avenida João da Cruz deverá retomar a solução de ensaio que anteriormente sugeri que se fizesse, já que o sistema de circulação actual se baseia no esquema que eu havia proposto e a geometria da rotunda que lá se encontra implantada o permite. Basta, para tal, que se implante a sinalização de código que confira prioridade a quem nela circule e, portanto, perdas de prioridade em todas as entradas, e se proceda a ligeiros acertos na localizacão das passadeiras de peões. Será de imediato possível fazer uma avaliação durante os períodos de ponta e, uma ou duas semanas depois, tirar as conclusões definitivas.
Parece-me, finalmente, que o bom-senso deverá imperar da parte da Câmara de modo a reconsiderar a situação. Da minha parte disponho-me a acompanhar a implementação da solução, dando as sugestões para os acertos necessários e efectuando as análises posteriores que permitam uma avaliação objectiva quanto aos ganhos e eventuais perdas.

 
In jornal "A Voz do Nordeste" de 8 de junho de 1999
     
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