Artigo de opinião
Publicado em 26/09/2000
(Original em PDF) |
Decorreu há dias em diversas cidades europeias e pela primeira vez em cidades
portuguesas o denominado "dia europeu sem carros" com o qual se visou apelar à
alteracão dos hábitos dos cidadãos que usam o automóvel privado nas suas
deslocações quotidianas. Por motivos sobejamente conhecidos, a circulação
automóvel tem-se revelado um autêntico quebra-cabeças para os responsáveis da
gestão dos grandes centros urbanos. Daí o recurso a este evento anual não só
como medida de sensibilização mas ainda como demonstração de que as actividades
normais nos aglomerados urbanos poderão funcionar mesmo com uma diminuição
drástica da circulação dos veículos privados.
Diversos factores contribuem para o acentuar do problema dos quais destaco a
deficiente compreensão da questão da circulação em si mesma e que levou a uma
tornada de medidas de recurso como os desnivelamentos, os sistemas de regulação
semafórica desadequados, oferta excessiva de parqueamento nos centros, e que a
prazo se revelam nocivas já que incentivadoras do uso do automóvel. A
implementação de modos de deslocação alternativos como os transportes colectivos
não são acompanhados da qualidade geradora de atractividade.
Apelar a que se opte por deslocações a pé ou de bicicleta, também sofre de
sérias limitações naturais além de outras devidas à evidente falta de condições
das artérias urbanas para a sua prática. Teriam sido preferíveis soluções mais
restritivas e reorientadoras das circulações para os modos de transporte
alternativos de qualidade e da requalificação dos espaços públicos urbanos. Trata-se de um problema complexo, que terá que ter um tratamento baseado
em
políticas especificamente adaptadas a cada caso, sendo certo que não poderá ser
esquecido o envolvimento dos próprios cidadãos na implementação de quaisquer
medidas de racionalização do uso do transporte individual.
Nas pequenas cidades como Bragança estes problemas não se põem com a
mesma intensidade, já que os índices de poluição são geralmente baixos, mas há
inconvenientes da afectação excessiva dos espaços públicos ao automóvel,
nomeadamente ao estacionamento, a insegurança e até a incomodidade provocada
pelo ruído em certas artérias mais sobrecarregadas de tráfego.
Mas Bragança também não foge à regra quanto ao desacerto das acções de
desenvolvimento urbanístico. Já em anteriores artigos fiz algumas referências a
este propósito em que apelava a uma alteração do critério de intervenção do
poder autárquico neste domínio. De facto, sinto verdadeira preocupação pelo
resultado de certos projectos que se pretendem concretizar, nomeadamente do
denominado prolongamento da Av. Sá Carneiro. Não me parecem devidamente
articulados entre si, já que a cidade tem que funcionar como um todo, e a
oportunidade de integrar o seu estudo no âmbito do Plano de Urbanização em
elaboração parece-me gorada, já que são projectos condicionantes, que este plano
se limitará a cartografar.
O projecto de Urbanismo Comercial, à parte alguns pormenores de construção
verdadeiramente criticáveis, parece ser uma intervenção globalmente positiva e
será a demonstração do que se vinha perdendo com a anterior situação de uso
excessivo dos espaços públicos, quer pela circulação, quer pelo estacionamento.
Fica por resolver de uma forma eficaz a questão do estacionamento ou, se
quisermos, da acessibilidade à zona antiga da cidade.
O projecto inserido no Programa Polis poderá vir a constituirse numa oportuna
intervenção de valorização da zona envolvida. Mas qual será o seu contributo
para a solução dos problemas de acessibilidade? É que me parece que se poderia
tirar partido da área de intervenção para a implementação de uma estratégia de
circulação e estacionamento diferente.
Já quanto à intervenção prevista para a zona da antiga estação, em cuja versão
mais recente do projecto tive a oportunidade de ver a planta geral, continua-se
a apostar num contexto prioritariamente rodoviário, o que me parece absurdo e
completamente contraditório com as boas práticas urbanísticas já que se trata,
inquestionavelmente, da zona central da cidade. Lá aparece o tal túnel para
prolongamento da Av. Sá Carneiro, agora acompanhado de um outro desnivelamento
de meia faixa de rodagem no topo da Praça Cavaleiro de Ferreira e ainda o parque
de estacionamento de grande capacidade, este com processo de concurso de
concepção/construção a decorrer. Questiono o interesse urbanístico no
prolongamento da artéria em causa. Não deveria ficar com o remate que hoje
apresenta? Não deveria ser encarada a Praça Cavaleiro de Ferreira como um centro
cívico, de convívio, com maioria de razão agora que vai albergar o Teatro?
Porque razão se pretende reforçar o carácter viário da Sá Carneiro, já em si uma
via com níveis de tráfego elevados que se deveriam procurar manter ou reduzir e
não acentuar? É que ficam esquecidas possibilidades reais de desvio do tráfego
para artérias mais apropriadas.
Vejo até a necessidade de acentuar o carácter urbano a esta avenida, com a
devida requalificação do trecho entre o viaduto do Loreto e a Praça Cavaleiro de
Ferreira, reformulando-se radicalmente o seu perfil para passeios mais largos e
correctamente desenvolvidos. Convidaria até o leitor a percorrer a pé esse
trecho, pelo passeio do lado sul, e verá o que encontra!
Sobre os benefícios da solução dos túneis referidos, não vislumbro quais possam
ser. Para além do seu elevado custo de oportunidade, constata-se que o
empreendimento ficará bastante mais caro do que o previsto inicialmente. É que a
obra foi posta a concurso com uma base de licitação (orçamento de projecto) de
um milhão e seiscentos mil contos e as propostas mais baixas apresentadas rondam
os dois miIhões de contos. Ou seja, conta-se desde já com uma derrapagem de mais
25% do valor previsto, mesmo antes do início das obras! Pergunto, será que estas
obras continuarão, mesmo assim, a ser viáveis? Qual seria o valor máximo
admissível para a intervenção? Foi feita alguma análise custo/benefício?
Questiono então a Câmara quanto aos benefícios que verdadeiramente espera obter
com este empreendimento.
Qual seria a opinião dos cidadãos deste concelho, que verão uma boa fatia do
orçamento municipal imputada a um projecto de viabilidade perfeitamente
questionável? Terão conhecimento concreto do que se pretende realizar? Presumo
que pouca gente conhecerá este projecto e as implicações que o mesmo virá
acarretar na qualidade do tecido urbano.
É que não basta que se promova a execução de obras mesmo que de boa qualidade
estética e construtiva. As infra-estruturas e equipamentos em questão terão que
funcionar em coerência com um todo urbano que é a cidade.
Teria sido importante a promoção da discussão pública desse projecto. Ela foi
prometida pelo Presidente da Câmara mas até hoje não surgiu. Parece-me que,
tratando-se em termos práticos de um Plano Urbanístico de Pormenor que envolve
uma alteração substancial numa parte do tecido urbano, teria sido de boa prática
democrática que a homologação do mesmo pela Assembleia Municipal tivesse sido
precedida do competente inquérito público.
Já o Programa Polis parecia-me que estava a ir pelo mesmo caminho, sem qualquer
consulta pública, mas sei que ela virá a ter lugar, até por imposição legal.
Reputo de extrema importância o recurso à figura do inquérito público neste tipo
de empreendimentos, como forma de envolvimento e comprometimento dos cidadãos
com projectos que a eles se destinam directamente. Poderá assim ficar mais
garantido o seu sucesso futuro, podendo ainda ser imprimidas melhorias nos
projectos mais em confomidade com os anseios dos cidadãos. Ainda porque as
reclamações que pudessem surgir, seriam mais oportunamente atendidas nesta fase
do que no decurso das obras.
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