Avaliação da Condição Corporal de Caprinos
Introdução
Em determinadas fases do ciclo de produção, idependentemente do nível alimentar, é inevitável a mobilização das reservas corporais pelas fêmeas em balanço energético negativo em virtude do seu estado fisiológico (Morand-Fehr et al., 1986). Por outro lado, nos sistemas de produção tradicionais, baseados no pastoreio de percurso, as cabras estão sujeitas às variações sazonais de disponibilidade de alimento (quantidade e qualidade), pelo que ao longo do ano as cabras têm períodos nos quais perdem as reservas corporais e outros nos quais as repõem. Esta capacidade de armazenar e de mobilizar as reservas corporais é essencial para que a cabra se adapte às variações da disponibilbidade de alimentos e às exigências de determindados pontos do ciclo de produção. Ao parto, o nível de reservas corporais apresenta um grande impacto na capacidade produtiva das cabras leiteiras.
Jefferies (1961) propôs, pela primeira vez, o conceito de condição corporal (CC) como indicador das reservas corporais em ovinos. Mais tarde, (Russel et al., 1969) apresentou uma técnica de avaliação da CC (numa escala de \(0\) a \(5\)) baseada na palpação da região lombar. Todavia, os caprinos depositam um reduzida quantidade de gordura subcutânea, o que torna a palpação da região lombar pouco precisa. tendo em consideração esta característica dos caprinos, Santucci (1984) propôs uma escala de avaliação para a região esternal, a qual se caracteriza por ser um local de deposição de gordura (Santucci and Maestrini, 1985). Morand-Fehr and Hervieu (1999) propôs que a avaliação da CC de cabras leiteiras pela palpação das regiões lombar e esternal, atribuindo a nota final como a média das notas das duas regiões. Delfa et al. (1995), num trabalho com cabras de raça Branca Celtibérica, confirmaram a relação entre o peso dos tecidos e a nota de CC, bem como a capacidade da nota de CC da região esternal para prever o peso dos depósitos de gordura corporais, bem a composição tecidual da carcaça.
A a nota de CC representa a quantidade de reservas corporais que uma cabra possui, através da avaliação da quantidade de músculo e de gordura que cobre as regiões lombar e esternal. É, também, um excelente indicador da saúde e do bem-estar dos animais, fornecendo ao produtor informação valiosa para identificar atempadamente problemas de saúde dos animais.
Para efectuar a pontuação da CC, a cabra deve ser contida para efectuara a palpação o lombo e do esterno como se mostra a Figura 1. O treino e a prática de avaliação são essenciais para o aprimoramento da técnica e desenvolver a capacidade de pontuar as cabras com uma escala de \(\frac{1}{4}\) de ponto. Na Figura seguinte apresentamos a anatomia das regiões lombar e esternal, cujo seu conhecimento é essencial para poder aplicar a téccnica de forma eficaz.
Vértebra lombar | Esterno visão anterior | Esterno visão lateral |
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Figura 1: Anatomia da região lombar e da região estrenal
Vários estudos mostraram que a CC nos pontos chave do ciclo de produção condiciona o desempenho produtivo e reprodutivo das fêmeas, a saber: a prolificidade, a fertilidade, a produção de leite e, logo, o crescimento dos cordeiros. Por outro lado, a sua simplicidade, a sua relação com o estado nutricional dos aniamis e a possibilidade de se efectuar aquando da realização de outras actividades de maneio dos fatos tornou-o num método largamente aceite pelos produtores.
A avaliação da CC das cabras, por palpação das regiões lombar e esternal, dá ao protudor a capacidade de estimar as suas reservas corporais, cujo conhecimente permite ajustar a alimentação, reforçando aou restringindo-a, às necessidades das cabras. Por outro lado, esta técnica é, também, útil para monitorizar o fato nos períodos importantes do ciclo de produção (cobrição, parto, desmame, etc.) e apoiar a definição do maneio alimentar e reprodutivo do fato.
Assim, a avaliação da CC das cabras baseia-se na palpação das regiões lombar e esternal, às quais é atribuída uma nota usando uma escala de 0 (cabra extremamente magra) a 5 (cabra muito gorda) pontos, a nota de CC resulta da média das duas notas atribuídas às regiões lombar e esternal. A avaliação da CC das cabras deve efectuar-se em três passos. No primeiro, fazemos uma avaliação geral do animal por apreciação visual. No segundo, efectuamos a palpação da região lombar da cabra, tendo especial atenção às apófises transversas e espinhosas das vértebras lombares. No terceiro, efectuamos a palpação da região esternal dando especial atenção ao desenvolvimento da almofada de grodura interna e da espessura da gordura subcutânea.
Avaliação da região lombar
Tal como foi referido atrás, a nota de CC da região lombar é atribuída uma nota numa escala de \(0\) (extremamente magra) a \(5\) (muito gorda) pontos. A mão deve exercer, através de um efeito de pinça, uma pressão fixa em torno das apófises transversas, espinhosas e articulares para apreciar:
A proeminência das apófises espinhosas lombares, a partir da última costela, bem como a quantidade de músculo e de gordura subcutânea;
A largura do lombo, com a mão estendida, e tentar reconhecer as apófises transversas das vértebras lombares, pressionando com os dedos para avaliar a quantidade de músculo e de gordura subcutânea;
A forma do músculo, côncavo ou convexo, avaliando a sua espessura, bem como a espessura da gordura subcutânea;
Avaliar a espessura da pele.
Na Figura 2 apresentamos a descrição das notas de CC de 0 a 5, bem como uma ilustração de cada uma das notas de CC
CC | Descrição | Ilustração |
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0 | CABRA EXTREMAMENTE MAGRA: A cabra encontra-se em condições esqueléticas, num estado de magreza extremo, não se observa a presença de tecido subcutâneo, a pele encontra-se em contacto directo com os ossos. Os ossos são muito perceptíveis e as articulações intervertebrais são facilmente detectáveis ao tacto. | |
1 | CABRA MUITO MAGRA: As vértebras lombares são perceptíveis, ao toque da mão, como uma massa rugosa e proeminente. Os dedos podem alcançar e localizar facilmente as apófises transversas, das quais é fácil perceber o perfil. As apófises articulares podem ser sentidas através da acção da ponta dos dedos. | |
2 | CABRA MAGRA: As apófises espinhosas e transversas são salientes, os espaços entre as apófises transversas são palpáveis sem pressão, a pele descreve uma linha côncava entre os extremos das apófises. As apófises espinhosas são menos proeminentes e as apófises articulares podem ser sentidas por meio de pressões leves sobre a espinha dorsal. | |
3 | CABRA MÉDIA: O espaço do ângulo vertebral está cheio e a pele descreve uma linha recta entre os extremos das apófises. As apófises espinhosas são, ainda, bem perceptíveis, sentindo-se uma ligeira depressão quando os dedos através das mesmas. As apófises articulares e o perfil das apófises transversas não são perceptíveis. | |
4 | CABRA GORDA: As apófises espinhosas são dificilmente detectáveis à passagem com a mão. A pele descreve uma linha convexa entre as extremidades das apófises. Os músculos do lombo formam uma zona chata, mas ainda estreita, na superfície superior das apófises espinhosas. É difícil colocar os dedos debaixo das apófises transversas. | |
5 | CABRA MUITO GORDA: A linha do dorso é muito pronunciada e os músculos são arredondados de cada um dos lados das apófises transversas. A zona à volta das apófises espinhosas é compacta, sendo relativamente larga no dorso. A espessura das massas dos tecidos é tão grande que as marcas de referência nas apófises transversas e espinhosas não são perceptíveis. É impossível colocar os dedos debaixo das apófises transversas. |
Figura 2: Descrição da escala de avaliação da condição corporal da região lombar.
Avaliação da região esternal
Nas cabras, a gordura esternal é facilmente detectada sob a forma de uma almofada adiposa (Figura 3), pelo que nesta região anatómica são avaliados o volume da gordura esternal (espessura, largura, comprimento) e a espessura dos tecidos que rodeiam e cobrem as articulações condroesternais. Para atribuir a nota de CC esternal, os dedos devem ser usados da seguinte forma:
- actuar como uma pinça sobre a gordura esternal;
- exercer uma pressão fixa na região condroesternal.
CC | Descrição | Ilustração |
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0 | CABRA EXTREMAMENTE MAGRA: As articulações condroesternais são muito salientes. A superfície óssea do esterno é bem perceptível ao toque com a mão. A zona do esterno mais, calosidade esternal, não é móvel. | |
1 | CABRA MUITO MAGRA: A calosidade esternal é flutuante. A gordura esternal é facilmente localizável por meio da acção dos dedos, apresenta um formato plano, ligeiramente dura e move-se lateralmente com os movimentos da mão. As articulações condro-esternais são mais arredondadas mas ainda bem perceptíveis. As costelas podem ser sentidas através de leves toques com os dedos. | |
2 | CABRA MAGRA: As articulações condroesternais são pouco perceptíveis à palpação. A gordura esternal ainda pode ser localizada com os dedos mas apresenta-se mais espessa (1 a 2 cm), podendo ser destacada ao longo de todo o seu comprimento através da acção da ponta dos dedos. Uma pequena camada de gordura pode ser distinguida entre a pele e as articulações condroesternais. | |
3 | CABRA MÉDIA: O esterno não é perceptível, mas as costelas são perceptíveis através da palpação. A gordura pode ser distinguida muito facilmente; é espessa e pouco móvel. A gordura é difícil de destacar. | |
4 | CABRA GORDA: O esterno e as costelas não são perceptíveis e a gordura subcutânea forma uma massa adiposa pouco móvel. É difícil localizar a gordura esternal uma vez que se encontra misturada com as massas de gordura e músculo que cobrem as articulações condro-esternais e as costelas. | |
5 | CABRA MUITO GORDA: A massa adiposa subcutânea deixa de ser móvel, os contornos do esterno são arredondados sem qualquer depressão lateral e o vazio sobre a última costela esternal está cheio. A gordura esternal não pode ser identificada nem localizada. Uma espessa massa de tecido, que cobre o esterno e as costelas, é sentida entre os dedos. |
Figura 3: Descrição da nota de CC da região esternal
Recomendações técnicas
Os produtores necessitam de um método prático e simples que lhes permita avaliar as reservas corporais das cabras, a pontuação da CC é um bom indicador das reservas corporais das cabras num determinado momento. Desta forma, o produtor pode usar esta informação para actuar sobre o maneio alimentar do fato, suplementando as cabras magras e/ou restringindo as cabras gordas. Na Tabela 1, apresentamos os intervalos de CC (mínimos e máximo) recomendados para as fases do ciclo de produção.
Tabela 1: Intervalos de CC (mínimos e máximo) recomendados para as fases do ciclo de produção
Fase do ciclo de produção | CC lombar | CC esternal |
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No pico da lactação | 2,25-3,00 | 2,75-3,50 |
Na secagem | 2,50-3,00 | 3,00-3,50 |
Ao parto | 2,50-3,00 | 2,75-3,50 |
Cobrição | 2,25-2,75 | 2,75-3,25 |
Por fim, importa salientar que a avaliação da CC é uma operação de maneio essencial (Tabela 2), pelo que deve ser efectuada de forma regular ao longo do cilco de produção, bem como nos pontos chave do ciclo de produção, a saber:
- Um mês antes da época de cobrição;
- No final da gestação;
- Após o pico de lactação;
- Após a secagem;
- Antes da colocação em pastoreio.
Tabela 2: Recomendação de maneio alimentar tem em consideração a nota de CC e o estádio fisiológico da cabra
Estádio fisiológico | CC lombar | CC esternal | Recomendações |
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200 dias de lactação | <2,25 | <2,75 | Recuperar as reservas corporais, suplementar as cabras com pelo menos 0,20 UFL/dia |
>2,75 | >3,25 | A dieta base deve cobrir as necessidades de manutenção, reduzir a distruibuição de alimento concentrado | |
Secagem | <2,50 | <3,00 | Reservas baixas para a próxima lactação, distribuir alimento concentrado até ao 4º mês de gestação (0,4 kg/dia) |
>3,00 | >3,50 | Cabras excessivamente gordas, reduzir a ingestão d alimento concentrado a 0,4 kg/dia e distribuir feno de boa qualidade | |
Ao parto | <2,50 | >2,75 | Reservas baixas, distribuir uma boa forragem como alimento base (>0,65 UFL/Kg MS) e manter o alimento concentrado abaixo de 50% |
>3,00 | >3,50 | Reservas importantes que podem ser mobilizadas, garantir a necessidades proteícas das cabras | |
Pico da lactação | <2,25 | <2,5 | Falta de reservas mobilizáveis, melhorar a alimentação das cabras (0,20 UFL/dia) para iniciar a recuperação das reservas corporais |
>3,00 | >3,00 | Reduzir a concentração energética da dieta |
Referências Bibliográficas
Delfa R, Teixeira A, Gonzalez C, Gosalvez LF and Tor M 1995. Relationships between body fat depots, carcass composition, live weight and body condition scores in blanca celtibérica goats. In Etat corporel des brebis et chèvres: Aspects méthodologiques et application (ed. A. Purroy), Options méditerranéennes : Série a. Séminaires méditerranéens, pp. 25–33. CIHEAM, Zaragoza (Spain).
Jefferies BC 1961. Body condition scoring and its use in management. Tasmanian Journal of Agriculture 32, 19–21.
Morand-Fehr JP, Bas P, Sauvant D, Hervieu J and Chilliard Y 1986. Influence de la nature de l’aliment concentré sur le métabolisme des chèvres en fin de gestation et debut de lactation. Repr. Nutr. Dév. 26, 349–350.
Morand-Fehr PM and Hervieu J 1999. Apprécier l’état corporel des chèvres. Intérêt et méthode. La Chèvre 231, 22–25.
Russel AJF, Doney JM and Gunn RG 1969. Subjective assessment of body fat in live sheep. Journal of Agricultural Science (Cambridge) 72, 451–454.
Santucci PM and Maestrini O 1985. Body conditions in extensive systems of production: Method of estimation. Ann. Zootech. 34, 473–474.